sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

E da erva se fez a cura

fpemat
http://revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=650


E da erva se fez a cura
26/01/2015 20:18
E se alguém te abordasse agora com um tapinha nas costas e perguntasse: “curte um baseado?”. Como resposta, talvez viesse um “é proibido o uso de qualquer droga no Brasil” ou “consumir maconha faz mal à saúde”. No frigir dos ovos, ou você recusaria, ou toparia, não sem levar em conta um amontoado de ressalvas.
 
Mudemos o cenário: um médico te dá uma prescrição, sugerindo que você passe numa farmácia e compre um remédio, cuja fórmula apresenta um dos 60 compostos ativos da maconha. Que tal? Se ali estivesse a garantia da solução dos seus problemas, você seria um maconheiro com muito orgulho, com muito amor.
 
Pois bem. Não são poucos os pesquisadores da área da Saúde que defendem o uso do canabidiol [CBD] – uma das principais substâncias da maconha – para o combate de algumas doenças graves, como a epilepsia.
 
O canabidiol, em estado líquido, é injetado via oral
[Foto: www.dm.com.br] 
 
No Estado de São Paulo, por exemplo, duas gêmeas nasceram com Síndrome de West[forma de epilepsia severa, de difícil controle]. Com os remédios tradicionais, uma delas chegou a ter 50 convulsões no mesmo dia. Após duas semanas do início do tratamento com o canabidiol, as crises terminaram e não voltaram, ao contrário do que ocorria com o uso de medicamentos convencionais.
 
Porém, a questão ganhou notoriedade com o caso da garota Anny. A criança de cinco anos sofre de Síndrome de Rett CDKL5, anomalia rara que chegou a gerar 60 crises convulsivas em apenas um dia. Quando ainda não existia qualquer tipo de via legal para medicar o canabidiol, os pais chegaram a traficar a substância.
 
O vídeo aborda a luta dos pais da menina Anny para conseguir o canabidiol. O conteúdo foi produzido e veiculado em março de 2014, ou seja, antes da decisão do Cremesp e da Anvisa. 
 
Como o consumo da maconha é proibido no país, o uso para fins medicinais era limitado e burocrático. O interessado precisava encaminhar para a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] a receita e o relatório médico. Depois de autorizada a aquisição, era preciso importar o remédio, que custa cerca de R$ 400 e dura um mês.
 
Para amenizar a demora, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo foi precursor, e elaborou, ainda em 2014, uma resolução que autorizou o uso do canabidiol apenas para formas graves de epilepsia em bebês e crianças. No último dia 14, foi a vez da própriaAnvisa excluir o canabidiol do rol de substâncias proibidas. Agora, ele é considerado um medicamento e pode ser receitado [por neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras] a pacientes de até 18 anos, desde que as formas convencionais de tratamento não apresentem resultados satisfatórios.
 
O Governo Federal já recebeu 374 pedidos, dos quais 336 foram aprovados. Do restante, 20 aguardam o enquadramento às exigências por parte dos interessados e 11 são analisados pela área técnica. Por questões judiciais ou pessoais, sete solicitações foram arquivadas.
 
Um pouco mais sobre o medicamento
Canabidiol, ou CBD, é uma das 60 substâncias ativas presentes na maconha [Cannabis sativa]. Não provoca alteração nos sentidos, nem gera dependência. O outro componente principal da Cannabis é o THC [Tetrahidrocanabinol], responsável pelo efeito inverso e mais agressivo da planta.
 
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, edição de maio de 2010, José Alexandre Crippa, Antonio Waldo Zuardi e Jaime Hallak discorrem sobre o comparativo entre CBD e THC. “Um recente estudo (...) com CBD e ∆9-THC confirmou a ideia do potencial antipsicótico do CBD. Neste estudo, os autores verificaram que o ∆9-THC e o CBD apresentaram efeitos opostos na ativação de diversas áreas cerebrais usando diferentes tarefas. Em um segundo experimento, o pré-tratamento com o CBD foi capaz de prevenir a indução aguda de sintomas psicóticos induzidos pelo ∆9-THC. Este resultado é consistente com o achado de que os sujeitos usuários de amostras de cannabis que contêm mais CBD em adição ao ∆9-THC têm menor propensão de apresentar sintomas psicóticos do que aqueles que fumam amostras de cannabis sem CBD”.
 
Foto: www.lersaude.com.br 
 
O CBD apresenta eficiência em pacientes com glaucoma, mal de Parkinson, ansiedade, esquizofrenia e alguns transtornos de sono. Age contra a perda de memória dos pacientes com Alzheimer, atenua a degeneração de neurônios em casos de alcoolismo, inibe metástases em câncer, especialmente o de mama, além de diminuir as náuseas de pacientes em quimioterapia ou em tratamento contra o HIV.
 
Falando especificamente sobre o Parkinson, os três pesquisadores da Universidade de São Paulo [Medicina/Ribeirão Preto] relatam testes feitos com CBD em humanos. “Em um estudo piloto aberto, testamos a administração de CBD em seis pacientes ambulatoriais com o diagnóstico de DP [doença de Parkinson] e com sintomas psicóticos associados por pelo menos três meses. Estes receberam uma dose oral flexível de CBD [começando com 150mg/dia] por quatro semanas, além de suas terapias usuais. Tanto os sintomas psicóticos como motores reduziram significativamente com o tratamento com o CBD e não houve piora dos sintomas cognitivos. Estes resultados preliminares sugerem que o CBD pode ter um efeito benéfico na DP”.
 
Usos e histórias da maconha
Você pode até duvidar, mas o sucesso da viagem de Pedro Álvares Cabral e sua trupe à terra brasilis foi bem sucedida graças à maconha. Sim, porque as potentes caravelas lusitanas levavam carvalho no casco e cânhamo [fibra produzida a partir de planta do gênero cannabis] nas velas, material bem mais resistente que o algodão. Ou seja, Portugal tinha o básico para chegar ao Brasil: visão, grana e... maconha.
 
À época, o cânhamo era matéria-prima para produção cordas, tecidos e papel. Antes disso, os chineses, inventores do papel, utilizavam a fibra, bem como Gutenberg, na hora de imprimir seus livros. Antes da iluminação a gás ou elétrica, o componente que viabilizava energia era o óleo de cânhamo, antecedido pelo óleo de baleia.
 
Fios de cânhamo
[Foto: www.portuguese.alibaba.com] 
 
No entanto, bem antes, a maconha já era tida como matéria-prima. Anterior ao ano 2 mil a.C., algumas culturas orientais já utilizavam a maconha para fins medicinais. Já o viés pecaminoso da planta – e do seu uso –, implementado pela Igreja, data do século XV. Os curandeiros da época, perseguidos em nome do Papa, utilizavam a cannabis como recurso de cura. Era o que a Igreja precisava para decretar a proibição do consumo da planta.
 
Cheguemos aos dias de hoje. Tem-se o hábito de relacionar a Jamaica à maconha. E a analogia não é equivocada [embora as nossas leis e convenções deem, equivocadamente, um tom pejorativo a esse paralelo]: toda a tradição daquele país se deve à Coroa Britânica. Ao levar para a América Central mão-de-obra africana, a ideia era transformar o país em uma imensa área de cultivo para a produção do cânhamo. Isso ocorreu no Brasil também: Portugal sabia que o mercado de tecido era intenso, e o cânhamo apresentava-se como principal matéria-prima. Além disso, os escravos vindos da Angola trouxeram para o país o costume de fumar, convencionando-se a expressão “fumo de Angola”. Em suma, nas lavouras tupiniquins já teve maconha a dar com pau.
 
Mais um uso da planta pode ser identificado em outras duas culturas. Até hoje a maconha é utilizada no costume rastafári, que mescla as tradições judaicas e cristãs, em rituais de limpeza e purificação. Já nos Vedas [reunião dos quatro volumes de textos em versos – hinos e preces], principal livro do hinduísmo, escrito mais de 1500 anos antes da Era Cristão, a cannabis era descrita como o alimento preferido do deus Shiva. Para os indianos, usar maconha era entrar em comunhão com Shiva. Trocando em miúdos, fazer a planta virar fumaça significava estar quite com a divindade.
 
Como se vê, tivemos períodos de uso indiscriminado da maconha, enquanto o momento atual proíbe a sua utilização, pelo menos no Brasil. Ao que parece, uma necessidade medicinal quer botar o assunto em discussão novamente.
 
 
Colaboração: Mariana Mouro, estudante do 2º semestre de Comunicação Social da UFMT/Cuiabá
Imagem de capa: www.brasilpost.com.br
Thiago Cury



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