quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

PLATAFORMA DE DURBAN

fonte - sbpc
http://www.sbpcpe.org/index.php?dt=2011_12_15&pagina=noticias&id=07093


A PLATAFORMA DE DURBAN: DIVISOR DE ÁGUAS NA POLÍTICAGLOBAL DO CLIMA
Fonte: Sérgio Abranches, Ecopolítica de 13.12.2011
Quando a presidente da COP17 bateu o martelo pouco antes da cinco e meia da manhã de domingo estava fazendo história. Declarava aprovada uma decisão política de longo alcance, que parecia improvável menos de uma hora antes. A Plataforma de Durban dá início à negociação de um novo regime global legal para mudança climática e decide o último período de compromissos do Protocolo de Quioto. Uma decisão que se vinha buscando desde, pelo menos, a COP13, em Bali, em 2003. Durban será um divisor de águas. Abre um novo capítulo da política global para mudança climática. Também marcou a data para outro momento decisivo: 2015, quando a COP21 deverá aprovar o novo marco legal e rever as metas do Protocolo de Quioto e do Acordo de Cancún. Até lá, nas três próximas COPs, o mundo discutirá como será esse novo regime legal sobre mudança climática. Aqui o relato completo dessas dramáticas horas finais.

A mais longa COP da história terminou com a decisão de iniciar imediatamente a negociação de um novo regime global para mudança climática, que inclua todos os grandes emissores sob o mesmo marco legal. Encerra o capítulo do Protocolo de Quioto, cujo segundo período de compromissos também foi aprovado. Ele será substituído pelo novo marco legal a ser decidido até 2015, na COP21. É um grande salto político para a frente, embora não produza ações concretas antes, no mínimo, de 2015. Mas é um divisor de águas. Como foi Copenhague, onde, pela primeira vez, os grandes emissores que estavam fora do Protocolo de Quioto, Estados Unidos, China, Índia e Brasil, aceitaram compromissos quantitativos para redução de emissões de gases estufa. Esses compromissos foram oficializados em Cancún, no ano seguinte. Em Durban, esses mesmos países reconheceram que, ao serem reafirmados no Acordo de Cancún, um acordo oficial sob a Convenção do Clima, haviam se tornado legais, embora não compulsórios. Mais ainda, foram adiante e aceitaram negociar esse novo quadro legal comum a todos.

Como eu vinha adiantando aqui, o pacote de Durban incluiu o segundo período de compromissos para o Protocolo de Quioto, mas Canadá, Japão e Rússia ficaram de fora. Aprovou o que chamei de “Pacote de Cancún”, com a operacionalização final do Fundo Verde para o Clima, do Centro de Tecnologia do Clima, do Comitê Executivo para Adaptação e do novo regime de transparência para acompanhamento dos compromissos de redução de emissões assumidos em Copenhague e reafirmados em Cancún. Nada adicionou de ações concretas que possam aproximar mais o que os países se comprometeram a fazer, da meta de manter o aquecimento em 2 graus Celsius. Essa decisão ficou para 2015.

Para se chegar ao acordo em Durban, batizado, na hora final, de “Plataforma de Durban”, os negociadores começaram uma dramática sequência de conversas tensas, em alguns momentos com ênfase que elevou perigosamente o tom de voz. Essas negociações atravessaram a sexta-feira, último dia oficial da COP17, ocuparam todo o sábado, para terminar apenas perto das seis da manhã de domingo.

O momento da Índia

A COP17 foi paralisada na noite de sexta-feira, quando deveria terminar, porque os impasses se sucediam e ia ficando claro que, na reta final, o consenso ainda estava muito longe. Os negociadores, após duas noites sem dormir, buscavam incansavelmente salvar a cúpula de Durban, na África do Sul. Todos queriam um acordo, mas ninguém parecia conseguir encontrar a fórmula do consenso. A COP17 foi a mais longa das COPs. A COP3, em Kyoto, em 1997, que aprovou o Protocolo que recebeu o nome da cidade, terminou na manhã do sábado. A COP 13, em Bali, em 2007, terminou por volta das três da tarde. A COP15, de Copenhague, em 2009, foi até as seis da tarde de sábado. Durban, foi até praticamente as seis da manhã de domingo.

Pouco depois de uma hora da manhã de sábado, os negociadores saíram de uma Indaba, e a ministra do Meio Ambiente e Água da Índia, Jayanthi Natarajan, foi abordada por jornalistas, no corredor do primeiro andar, para onde ela havia descido. Aproximei-me e perguntei a ela como estavam as negociações. Ela respondeu “ainda não tenho certeza sobre qual será o resultado dessa reunião. Ainda precisamos conversar mais.” Alguém perguntou o que o BASIC pensava das conversas até ali: “falo por mim, não pelo BASIC”. Perguntei a um outro negociador do BASIC, se essa resposta indicava alguma divisão no grupo. “O BASIC está totalmente unido”, ele respondeu. “A ministra Natarajan virou a mesa na Indaba, saiu do córner em que a colocaram brilhantemente”, contou.

Aconteceu assim: ao responder ao Canadá e a um representante das ilhas, que falavam sobre o sacrifício que “os grandes” estavam impondo aos “pequenos”, Natarajan cresceu com um inspirado improviso. Ela começou a ler a declaração que havia preparado, mas deixou-a de lado e fez um emocionado e firme discurso dizendo que ninguém podia dar lições de pobreza à Índia, nem de vulnerabilidade à mudança climática. A Índia “tem centenas de milhões de pobres e perto de 600 ilhas ameaçadas de serem submersas pela elevação do nível do mar”. E terminou dizendo que a Índia queria que os países elevassem suas ambições em relação ao futuro acordo sobre mudança climática. Foi aplaudida. A ministra Izabella Teixeira, do Brasil, contou que foi um discurso emocionado e de alto impacto político. Nenhuma decisão seria mais possível sem sua participação. No mesmo movimento, ela neutralizou a oposição daqueles países entre as pequenas ilhas e do grupo Alba, dos países da “aliança bolivariana”, que sempre falavam em nome dos mais pobres e vinham denunciando os “acordos do Hilton”. Era uma referência a negociações fechadas que o BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), os Estados Unidos, a União Europeia vinham tendo no hotel ao lado do centro de convenções.
“Isso ainda vai longe”

Saímos do ICC, o centro de convenções onde acontece a COP17 em Durban, às 3:00 horas da madrugada de sábado. Foi quando interromperam as reuniões para os negociadores poderem descansar um pouco. Fui para o hotel, dormi até as 7:00 da manhã, e voltei para o ICC. Eram 7:45, quando entrei pela entrada do jardim onde ficam as mesas usadas por quem vai ao restaurante principal do centro. Todd Stern, o enviado especial para mudança climática dos Estados Unidos, pedia um “capucino descafeinado”, com cara descansada, como se tivesse passado a noite em tensas conversas, tentando fechar um acordo quase impossível. Perguntei a ele se conseguiríamos almoçar em um bom restaurante fora do ICC. Ele respondeu, bem humorado “dificilmente, isso aqui vai muito além do meio dia”. Foi muito além da meia noite.

Escrevi um perfil de Stern em meu livro Copenhague Antes e Depois. Ele já foi poderoso assessor na Casa Branca, no período Clinton. É experiente advogado, nascido em Chicago, especializado em situações de risco. No perfil, escrevi que é “frio e pragmático, segundo muitos que trabalharam com ele, era a segunda vez que se envolvia nas negociações globais do clima”. Foi o negociador oficial do governo de Bill Clinton, em Kyoto, na COP3, e em Buenos Aires, na COP4. Estava agora no centro dos acontecimentos em Durban.

O Brasil no jogo

O momento mais desconcertante e aflitivo de uma COP é quando se encontra negociadores importantes zanzando pelos corredores. Afinal, eram as últimas horas da reunião, as correntes de tensão eram evidentes e, ainda assim, nada parecia estar acontecendo. Na mesa do café mais próximo à sala “Baobab”, onde se reunia o plenário da COP17, no ICC, estava sentada a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chefe da delegação brasileira. Com ela estavam Fernando Coimbra, seu assessor internacional, e Luciana Abade, assessora de imprensa. Cercada por um grupo de jornalistas brasileiros conversava descontraidamente.

Disse que as reuniões vinham sendo complicadas, mas construtivas. “Todos querem um acordo aqui”, contou. Havia várias reuniões técnicas e políticas em andamento naquele momento. “Estamos esperando”, explicava. Os técnicos estavam ainda fechando detalhes dos textos para negociações, decidindo tudo que podiam decidir. A orientação é que deixassem só as questões centrais e ainda sem consenso para os negociadores principais. Estes, numa rodada “de alto nível”, tentariam reduzir ainda mais o número de questões em aberto que os ministros teriam que decidir. Estava acontecendo uma naquele momento, sobre os pontos centrais relacionados ao acordo futuro cujo roteiro a Europa exigia como condição para dar continuidade ao Protocolo de Quioto. Pelo Brasil, participava o negociador-chefe, embaixador Luiz Alberto Figueiredo.

Izabella Teixeira estava tranquila. “É preciso ficar frio nessas horas. Isso aqui é um jogo de xadrez, no qual se planeja cinco jogadas à frente.” De fato, não demonstrava muita ansiedade, embora não estivesse, também, relaxada. Estava, claramente de prontidão.

Conversamos com Izabella, até que Figueiredo chegou. Entrou sorridente na roda de conversas, contou que as reuniões estava indo bem, “vários pontos já estão consolidados”, mas ainda havia muito o que fazer. Um dos pontos consolidados é que o novo acordo deveria ser aprovado em 2015. Nem a ministra, nem Figueiredo tinham muita expectativa de que as reuniões fossem retomadas muito cedo, nem que pudessem acabar antes do fim do dia.

EUA e BASIC juntos

A reunião plenária só aconteceria depois de mais uma “Indaba”. Izabella contou que, nas “Indabas”, a ministra Maite Nkoana-Mashabane usava termos próprios dessas reuniões da tradição zulu e os explicava ao negociadores. Esses termos representavam atitudes e passos desse processo de deliberação coletiva. Como todos têm voz, é um processo demorado.

Eu conversava com Figueiredo, mas seus olhos não paravam de acompanhar o que se passava nos corredores, por trás das portas de vidro do café. Escrevi sobre Figueiredo no livro que ele “é melhor de conversa ao pé do ouvido”, “diplomata profissional, que adquiriu mais que experiência nas negociações do clima, representando o Brasil. Tornou-se um interlocutor respeitado e influente”. No perfil dizia que esse prestígio não era “apenas decorrência do poder e influência adquiridos pelo Brasil no cenário internacional”. Era uma conquista pessoal também.

De repente, Figueiredo viu Todd Stern passando em frente ao café, com o passo apressado e sisudo como sempre. “Preciso falar com o Todd Stern”, ele disse, saindo pela porta automática e chamando Stern pelo nome. Stern virou-se, viu Figueiredo, apontou os dois indicadores em sua direção e abriu um sorriso. Voltou em direção ao brasileiro, os dois começaram a conversar e seguiram na direção que Stern caminhava, com certa pressa. Ao final do corredor, há uma escada que leva a salas mais reservadas. Ao pé da escada, Stern e Figueiredo encontraram o ministro da China, Xie Zenhua. Stern e Xie desceram, Figueiredo voltou e disse a Izabella, “sua presença está sendo requisitada”. Izabella saiu com ele e os dois desceram as escadas por onde Stern e Xie já haviam descido. A ministra Maite Nkoana-Mashabane havia passado naquela direção um pouco antes. Eu havia ficado com a impressão de que a ministra da Índia, Jayanthi Natarajan, também havia passado para lá. Pelos personagens envolvidos, tudo indicava que estaria para começar uma reunião do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) com o EUA.

Não pude deixar de me lembrar das dramáticas horas finais da COP15, em Copenhague, nas quais Barack Obama, Xie Zenhua, Lula da Silva, Manmohan Singh e Jacob Zuma, uma reunião dos chefes de governo do EUA e do BASIC, negociaram os termos finais do Acordo de Copenhague. São esses momentos que tornam as reuniões internacionais, como as COPs, tão interessantes. Esses bastidores nervosos, essas reuniões das quais se fica sabendo por acaso e depois nos mobilizam para apurar o que se passou nelas

“Quem piscar perde”

Um ministro explicava a tensa situação estratégica em que se encontravam, todos entrando e saindo de conversas sempre delicadas e críticas para se encontrar uma boa solução. “Quem piscar, perde”, explicou. É preciso toda atenção aos detalhes, a cada frase, a cada opinião sobre texto, cada expressão que sai ou que entra. Nada é simples, ou fácil. Tudo está em aberto, enquanto não estiver tudo fechado. É preciso ter noção de todos os fios dessa trama, principalmente os desencapados, que podem produzir um incêndio inesperado. É preciso todo cuidado para isolar esses fios desencapados uns dos outros, para evitar que se enrosquem e produzam um monumental curto-circuito. Essa arte de isolar os pontos, fracioná-los para processá-los técnica e politicamente, para que possam depois ser consolidados com segurança e aprovados por consenso, exige atenção permanente, visão estratégica e frieza.

Democracia de base

Os negociadores não estavam divididos apenas em torno das opções pra fechar um acordo. Não se entendiam sobre o desempenho da presidente da COP17, Maite Nkoana-Mashabane. Um negociador me disse que ela é muito inteligente, ótima diplomata e está conseguindo manter controle da reunião. Outro negociador, da mesma delegação, não quis se manifestar. Perguntei numa escala de 0 a 5, que nota dava a ela. “No momento, menos de 2”, respondeu. O ministro da Mudança Climática e Energia do Reino Unido, Chris Huhne, disse à Reuters que “estamos trabalhando muito duro dentro desses limites de tempo para obter um bom resultado… Estamos nas mãos da presidente, quanto aos próximos passos”. Um outro enviado, “ocidental”, segundo a Reuters, disse que “eles deixaram os acordos escaparem por entre os dedos. Se não chegarmos a qualquer resultado aqui que permita progredir no processo, não terá sido por causa da liderança da África do Sul. Será a despeito da África do Sul”.

Muitos delegados diziam que todo o problema vem das falhas de liderança da África do Sul. Outros dizem que a presidente da COP17 tem se esforçado ao máximo para ter sucesso nesta cúpula africana. O que mais desgostava a muitos era o tempo que se consumia nas Indabas, como se não houvesse urgência. Todos podem entrar e todos podem falar. Mas, talvez por isso, ao final, não houve “kamikazes” querendo o tudo ou nada, e a oposição foi neutralizada.

Claramente havia algo mais que a demora das Indabas gerando impasses e paralisando as decisões. Se todos têm uma atitude construtiva, como dizem todos os principais negociadores. Se todos querem um acordo, como explicar o impasse?

Sinal de alerta

Às cinco e meia da tarde de sábado, Afra Balazina ficou sabendo que a secretária executiva da Convenção do Clima, Christiana Figueres, estava preocupada com a possibilidade de a COP17 ser suspensa. Muitos ministros estão indo embora. Não se consegue mudar os vôos. Pela manhã, quando soube disso, procurei apurar como estavam os planos de viagem dos principais negociadores. A ministra Izabella Teixeira me disse que seu vôo de volta estava marcado para o domingo. Uma chinesa me disse que o ministro Xie Zenhua não pretendia ir embora no sábado. Um indiano, me contou que no meio da semana a ministra Jayanthi Natarajan adiou sua partida, marcada para o sábado, porque percebeu que a reunião não terminaria na sexta-feira como marcado. Todd Stern e Connie Hedegaard ficariam o tempo necessário.

O tempo ficava crítico. Havia, concretamente, o risco de não haver quorum. Um negociador disse que quorum seria o de menos: “se não houver ninguém para reclamar, aprova-se o acordo com o número de delegados que se tiver”. Mas é claro que uma COP esvaziada não pode tomar decisões relevantes. A preocupação é que se tivesse perdido o pique e o momento para uma plenária com decisões relevantes. Os negociadores chave estavam a postos. Haveria um desfecho.

“Há um momento em que o relógio pára”

Os negociadores mostravam ter pique e não pareciam querer adiar tudo. Eram 17:40, quando o negociador do Brasil, Figueiredo, e o do EUA, Stern, saíram quase ao mesmo tempo da Indaba, para ir ao banheiro. Foram cercados pela imprensa. Stern foi simpático mas falou pouco. “Estamos trabalhando muito, queremos um bom resultado”.

Figueiredo contou que estavam discutindo o texto sobre o novo acordo, cuja negociação deve terminar em 2015 – “isto já está acertado”- para valer a partir de 2020. “O Brasil está entre os que querem marcar data, para que não haja um vazio entre o fim de Kyoto e Cancún e o início do novo marco legal”, disse. “Os dois temas”, do novo acordo e do segundo Kyoto, “já estão amadurecidos e prontos para entrarmos em convergência”. Perguntado se tinha uma ideia de quanto a reunião ainda duraria, respondeu “não sei, tem uma hora que o relógio pára e aí não dá para saber”.

Praticamente na mesma hora em que Figueiredo e Stern falavam no corredor, Connie Hedegaard tuitou de dentro da sala Sabi Star, onde acontecia a Indaba: “finalmente estamos chegando aos pontos críticos. E estamos fazendo progresso. A pressão de tempo é sentida quase fisicamente na sala. De arrebentar os nervos.” A multidão de jornalistas e delegados acampados em frente à Sabi Star, todos ávidos por informação e um prazo para tudo acabar, mostrava bem o nervosismo e a expectativa que cercava esse final de COP17. O tempo era crítico e a reunião, que começou com baixas expectativas e sem tensão, ia ficando cada vez mais dramática.

Parecia uma cirurgia difícil, uma luta sem tréguas para salvar um paciente que se aproximava perigosamente de um estado terminal. Para piorar tudo, faltavam cinco minutos para as seis da tarde, quando começou a chover em Durban. Faltavam três para as seis, quando Cláudio Ângelo, da Folha de São Paulo, chegou à sala de imprensa vindo da Sabi Star, contando que a plenária começaria às seis da tarde. De fato, começou um pouco depois. Mas era uma plenária informal convocada pela presidente para tomar o pé da situação. A ministra Nkoana-Mashabane fez uma peroração de oito minutos, pedindo aos delegados que adotassem os documentos que serão distribuídos. “Adotem esses documentos como o resultado de Durban. Vocês ficaram aqui um dia mais. Adotem esses documentos e façam com que todo o nosso esforço tenha algum valor. O mundo está olhando para nós. O mundo espera.” Não era, ainda, o capítulo final.

Sem acordo

Uma longa e estéril reunião do grupo de trabalho sobre o Protocolo de Quioto (AWG-KP) se perdeu em banalidades e protestos recorrentes dos mesmo países. Terminou sem acordo. No grupo de trabalho sobre a Convenção do Clima (AWG-LCA) também não houve consenso. Os dois textos foram encaminhados ao plenário da COP17.

Pouco antes da meia-noite de sábado, sem acordo em relação à continuação dos compromissos do Protocolo de Quioto ou ao roteiro para um novo regime legal, a reunião atingiu um ponto dramático, correndo o risco de colapso.

Em minutos, o plenário se reuniria. Ninguém seria capaz de prever como Maite Nkoana-Mashabane faria a delicada e crítica manobra de reverter um fracasso anunciado pela objeção majoritária aos dois documentos nos grupos de trabalho. A plenária oficial atrasou. Durban arriscava a repetir a tragédia de Copenhague, quando algumas ilhas e a Alba, a Aliança Bolivariana formada, entre outros, por Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Cuba, levaram ao abandono de um acordo conseguido com enorme dificuldade pelos chefes de governo.

Estava tudo nas mãos da ministra sulafricana. A maioria duvidava que o recurso à Indaba e ao unbutu pudessem ajudar muito. Numa situação dessas, vale menos a persuasão que a autoridade moral e política. Em poucos minutos ela mostraria ao mundo se teria as qualidades necessárias para salvar a COP17 do colapso.

O ganho da adoção do “Pacote de Durban” seria pequeno. Na verdade se resumiria ao atrasado “Pacote de Cancún”. Mas o custo do colapso poderia ser enorme. Esvaziando politicamente a Convenção do Clima e a mergulhando na mais grave e profunda crise de credibilidade.
Confronto na reta final 

Eram 24:47, quando Maite Nkoana-Mashabane sentou-se na cadeira da presidência do plenário da COP17. Vestia um vestido vermelho, parecia um pouco tensa, mas não tinha sinais de exaustão ou abatimento. Agora sim, começava o último capítulo da mais longa COP da história da Convenção do Clima. Mashabane começou invocando o espírito de unbutu: “Eu sou, porque nós somos.” Disse que promoveu muitas consultas com muita transparência, por todo o dia. “Coletivamente nós podemos levar a cabo o processo de Durban.” Alertou que todos os pontos na mesa são interligados. “Temos que aprovar todos os elementos do pacote de Durban”. É claro que este “pacote não é o melhor que podemos fazer”. “Vamos sair daqui dizendo que fizemos bom progresso … vamos fazer história esta noite”. E terminou citando Nelson Mandela, “sempre parece impossível, até que seja feito”.

A primeira a pedir a palavra foi a Comissária para Mudança Climática, Connie Hedegaard, “problemas internacionais pedem legislação internacional”, ela disse, para pedir um acordo “legalmente vinculante”, precisamos clareza sobre esse compromisso com um novo acordo legal. A União Europeia está quase pronta para entrar quase sozinha no segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto, afirmou. Mas “vamos aprovar um processo para chegarmos a um acordo legalmente vinculante para todos até 2020”. Connie mostrava contrariedade com o texto que falava em “processo para levar a um protocolo, outro instrumento legal ou um resultado legal”. Provocou uma reação fortemente enfática da ministra Jayanthi Natarajan, da Índia.

Visivelmente contrariada com a declaração da União Europeia, disse que vinha mostrando flexibilidade, mas a peça central da política global para a mudança climática precisava ser a equidade. “Estou aqui para colaborar com o processo para chegarmos a um novo acordo legalmente vinculante, mas quero todas as opções do texto”. Falou do perigo de colapso da reunião. “Como assinar um cheque em branco, sobre um instrumento legalmente vinculante, comprometendo um bilhão de pessoas?” Disse não desejar que o processo chegasse ao colapso. Mas o documento sobre o Protocolo de Quioto é fraco, o documento sobre o novo acordo recebeu mais objeção que apoio, porém o presidente decidiu trazê-lo ao plenário. Esse é o resultado de duas semanas de negociação dura. Não vamos reabrir o documento. Mas, se for para reabrir o documento para retirar “uma opção a mais que queremos, vamos rediscutir todas as palavras do texto”. A alternativa, para Natarajan era aprovar o documento como estava. As declarações se sucediam e todas faziam mais objeções ao texto.

O ministro chinês, Xie Zenhua também se irritou com a declaração de Connie. Pediu a palavra e, quase aos brados, apoiou fortemente Natarajan. Todos os instrumentos são legalmente vinculantes, mas como eles são implementados? Devemos estar todos juntos, no mesmo barco, agir todos, de acordo com nossas capacidades, assumindo nossas obrigações, disse de punhos cerrados, cortando o ar e batendo na mesa. “Estamos falando disso há vinte anos e ainda nada fizemos”. E terminou fortemente, dirigindo-se à União Europeia: “estamos fazendo nossa parte, o que lhes dá o direito de fazer demandas? Estamos levando nossas obrigações muito a sério”.

Figueiredo do Brasil, pediu a palavra para reforçar a liderança da presidente e da África do Sul. “Nós somos a favor de agir, e pedimos que os outros ajam”. Disse que o Brasil quer sair de Durban com clareza sobre um novo acordo legalmente vinculante. “Estamos muito perto de tomar uma decisão tão importante quanto o mandato de Berlim”, que criou o processo que levou ao Protocolo de Quioto. “Não vamos perder a oportunidade de tomar uma decisão política histórica”, terminou.

Connie Hedegaard acusou o golpe: disse que a proposta sobre equidade da índia era muito interessante e pediu que a presidente facilitasse a conversa “entre alguns de nós que parecem pensar diferente, para que possamos juntos viabilizar o pacote de Durban”. Todd Stern, dos Estados Unidos, apoiou o “colega do Brasil”, e disse que era mesmo um momento histórico. A reunião do BASIC com o EUA havia dado resultado.

As mulheres poderosas

Nkoana-Mashabane apelou para que Connie Hedegaard e Jayanthi Natarajan que no “país de Mandela”, encontrassem um caminho comum. Interrompeu a reunião por dez minutos para que tentassem encontrar um acordo para aprovar “esse histórico pacote, às 2:38, eu apelo humildemente, para que façamos uma pausa para nos entendermos”.

Pelo menos essa inabalável crença de Mashabane na possibilidade de chegar a um espírito comum por meio da conversa com a mente aberta, tinha o efeito de reduzir a tensão e o nervosismo. A COP17 não ficava menos dramática, mas talvez os delegados se surpreendessem com essa demonstração de paciência e disposição de investir o tempo que se esgotava nessa busca de entendimento.

Formou-se um grupo de negociação informal entre a plenária informal e a formal tendo no centro duas das mulheres mais poderosas da reunião: Connie Hedegaard e Jayanthi Natarajan. A pedido de outra mulher poderosa na COP17, a sulafricana Maite Nkoana-Mashabane, deveriam resolver a diferença entre uma vaga promessa de acordo futuro de natureza legal, demandado pela Índia, e o compromisso de chegar a um acordo legalmente vinculante, condição da Europa para aprovar o segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto. O resultado de Durban estava nas mãos destas três mulheres.

Mas não era só a Índia que não queria se comprometer de imediato com um acordo legalmente vinculante, após 2020. O EUA também não queria. Fazia questão que qualquer solução implicasse em “paridade legal” entre todos os grandes emissores, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Como o Brasil apoiava a “Plataforma de Durban” e não objetava a um acordo legalmente vinculante no futuro e, como China e Índia, não abria mão do princípio das obrigações comuns, porém diferenciadas, podia fazer o meio de campo entre as duas posições. Luiz Alberto Figueiredo propôs a fórmula salvadora: “um resultado acordado com força de lei”. Todos aceitaram esse caminho do meio. A “Plataforma de Durban” estava garantida.

Orgulho africano

Para satisfação da presidente sulafricana da COP17, o representante do Congo (DRC) e presidente do Grupo Africano, pediu a palavra, ao raiar do sol em Durban, para dizer a ela, em nome dos 47 países africanos: “por meio do resultado dessa reunião a senhora restaurou a dignidade desse processo. Por meio do processo transparente das Indabas e com o espírito de inclusão do unbutu, a senhora estabeleceu um novo padrão de excelência para encontros futuros desse processo. O sucesso desta COP africana, em um país africano, com um anfitrião africano, é algo de que podemos ter muito orgulho.”

Quase uma hora depois de reaberta a plenária, foi aprovada a Plataforma de Durban. Terminava a mais longa COP, uma “maratona de longas horas” como a definiu Maite. Às 5:30 da madrugada, ela e Christiana Figueres deram a última coletiva à imprensa. Ela se referiu ao “pacote histórico adotado aqui nesta manhã, “na terra de Nelson Mandela” e “na cidade onde residiu o jovem advogado Mahatma Gandhi, que voltaria para a Índia, para libertar a Índia. Ele veio para a África do Sul, como um jovem advogado se engajando no que é conhecido como satiagraha que começou a praticar neste país. Chegamos aqui com o ‘plano a’ e concluímos esse encontro com o plano a.”

Apesar das críticas sobre a excessiva demora da decisão, ela se orgulhava da opção pela Indaba, e atribuía a ela ter conseguido obter esse “resultado histórico, com inclusão e transparência”. Vale reproduzir essa parte de sua declaração

“Não tenho a menor dúvida em minha mente de que trabalhamos juntos para salvar o mundo hoje. Acredito que a Indaba forneceu o fundamento para este encontro. Indaba, como vocês devem se lembrar do que compartilhei com todos é um método Zulu que se refere à reunião do povo com o propósito de debater um assunto de grande importância para a comunidade, na tentativa de encontrar um um espírito comum ou uma história comum que todos os participantes possam levar consigo. A mudança climática é nosso problema comum, que afeta a todos nós, e a Plataforma de Durban é a história que levaremos para casa conosco. Nossa intenção com a Indaba era restaurar a confiança no sistema multilateral, para inscrever a transparência e a inclusividade nesse processo conduzido pelas partes. As decisões que tomamos são verdadeiramente históricas”.

A despeito do tempo e das falhas, a história confirmará que se fez história em Durban, que será um divisor político de águas. Daqui em diante, não haverá mais “duas trilhas” diferentes para negociação política nas COPs, a do Protocolo de Quioto e a da Convenção do Clima. Haverá apenas um ponto central de negociação: um novo regime legal válido para todos. Fechou-se o capítulo do Protocolo de Quioto e se determinou a centralidade do novo acordo como objeto e finalidade das negociações, uma decisão que começou em Copenhague, foi aprofundada em Cancún e terminada em Durban.

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